Apóstolo ou discípulo ? Eis a questão!
- Emerson Melo
- 1 de mai. de 2020
- 9 min de leitura
Atualizado: 12 de fev.
É assombrosa a quantidade de pessoas em nossas igrejas que não sabe o nome dos doze apóstolos e tão pouco suas características e obras.

Não obstante deste fato, há uma certa confusão entre discernir corretamente o que de fato são apóstolos, e o que são discípulos. Estes problemas ocorrem em função da falta de estudo bíblico, ou de uma leitura desatenciosa dos textos e contextos onde se encontram tais termos. Embora estas expressões sejam aplicadas aos diferentes grupos de seguidores de Jesus, e, tenham algumas funções em comum, há uma grande distinção entre si. E com o intuito de esclarecer esta questão vamos abordar separadamente os apóstolos dos discípulos como veremos a seguir.
O que foi um Apóstolo?
A pergunta no tempo passado pode soar estranha, mas, no entanto é necessária em consequência de enganos cometidos por alguns nos dias atuais em que se intitulam "apóstolos". Conforme o Dicionário Bíblico Universal¹ temos a seguinte definição:
Apóstolo: Esta palavra significa mais do que "mensageiro": a sua significação literal é a de "enviado", dando a ideia de ser representada a pessoa que manda. O apóstolo é um enviado, um delegado, um embaixador.
Com base nas escrituras o respectivo dicionário descreve:
Lucas diz-nos que o nome dos apóstolos foi dado aos doze por Jesus Cristo (Lucas 6.13... E aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a Deus. E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos..) Em cada um dos outros evangelhos o termo ocorre uma só vez (Mt. 10:2; Mc. 6.30; Jo. 13.16). Nos Atos e especialmente nas Epístolas de Paulo, é frequente. A razão é clara: Jesus chamou alguns "discípulos" para, de perto, viverem com Ele e irem aprendendo a Palavra do Evangelho, mas sempre com o fim de enviá-los por toda terra como Seus representantes. Nos Atos e Epístolas: A suprema autoridade dos Apóstolos na igreja primitiva acha-se indicada em Atos 1.1 a 11, e manifesta-se por todo o livro. Com a escolha de Matias para o lugar que Judas deixou pela sua traição, ficou completo o círculo dos doze. Este fato nos mostra que para o apostolado, era essencialmente requerido que o eleito tivesse sido companheiro de Jesus desde o seu batismo até à ascensão. Mas pelas exigências da Igreja, que tomou logo, grande desenvolvimento, e pela livre concessão do Espírito Santo, deixaram de ter aquela estreiteza os limites do apostolado. Por ato da igreja de Antioquia (At. 13.1 a 3), Barnabé e Saulo foram constituídos apóstolos: é lhes conferido este título, em 14.4, 14. Paulo não somente reclama com firmeza aquela qualidade (Rm. 1.; 1Co. 1.; 2 Co. 1.1, etc.; 1 Co. 9.1; 2 Co. 11.5; Gl. 1.1, etc.), mas associa com ele a Barnabé (Gl. 2.9; 2 Co. 9.5,6). É provável que Paulo queria também, aplicar aquele termo a Tiago, o irmão do Senhor, a Silvano; e mesmo a cristãos tão pouco conhecidos na história como Andrônico e Júnias. Mas esta extensão do circulo apostólico foi limitada a uma condição especial: um apóstolo devia ter visto Jesus (1 Co. 9.1) para poder testemunhar logo o objeto da fé da igreja, Cristo ressuscitado (1 Co 15.8).
Além disso, as escrituras mostram claramente que os Doze Apóstolos de Jesus estavam sempre com Ele, já os discípulos não. Os apóstolos foram designados para serem testemunhas dos ensinamentos e da ressurreição de Jesus. Veja que ficam claros os critérios para que naqueles tempos alguém pudesse ser um Apóstolo de Cristo. Reiteramos aqui o caso de Paulo que por sua vez teve de defender ferrenhamente a sua condição de apóstolo de Jesus, justificando-se através de suas declarações enfáticas que recebeu o chamado diretamente do Senhor, tendo sido ensinado por Ele, e tal qual os demais, mostrou a abundância de sinais próprios de legítimo apóstolo. Embora com todos os atributos do apostolado, não há indicações de que tenha sido recebido pelos Doze, chamados originalmente, aí somos levados a pensar que algum do grupo eleito primeiramente, não tenha reconhecido seu apostolado e tão pouco tenham confiado nele, até mesmo Pedro deixa resquícios dessas dúvidas quando escreve a dificuldade de compreensão dos comentários de “... nosso amado irmão Paulo..." (2 Pedro 3:15).
O que é um Discípulo?
Perceba que esta pergunta está no tempo presente, por uma razão simples, de conhecimento geral, todos nós nos consideramos discípulos de Jesus. Mesmo ainda não sabendo o verdadeiro significado e nem mesmo sendo discipulados corretamente, a partir do momento de nossa conversão nos intitulamos, discípulos.
Discípulo: É discípulo o que aprende de alguém, ou que segue os princípios de um Mestre, seja Moisés (Jo. 9.28), ou de João Batista (Mt. 9.14), ou dos fariseus (Mt. 22.16), mas de um modo preeminente se dá a qualidade de discípulo, ou em geral aos que seguiam Jesus Cristo (Mt. 10.42), ou de um modo restrito aos apóstolos (Mt 10.1). A palavra é também aplicada a uma mulher, no caso de Dorcas (At. 9.36).
Aprofundando um pouco mais esta questão, havia em Israel as escolas judaicas, que lecionavam a Torá aos meninos de Israel a partir de 6 anos de idade. A Torá é conhecida como os livros da Lei de Moisés, correspondem ao que conhecemos atualmente como Pentateuco: Genesis, Êxodo, Levíticos, Números e Deuteronômio. Estes meninos levavam 4 anos decorando a Torá e com 10 anos de idade, completava-se o primeiro ciclo de estudos denominado Beit Sefer. Em muitos casos finalizado este período, alguns retornavam para seus lares e passavam a aprender a ocupação da família.
Mas dentre estes garotos, outros se distinguiam e prosseguiam na escola judaica, iniciando a segunda fase de aprendizado o Beit Talmud, já nesta fase sob a orientação de um rabino, que por sua vez, adotava-os a fim de lhes doutrinar de forma mais profunda, principalmente no quesito, interpretação da Torá. Este grupo de meninos de destaque era intitulado de: Talmidim, plural da palavra hebraica talmid, traduzido no Novo Testamento por “discípulo”.
Dois anos após completar o Beit Talmud ou seja aos 12 anos de idade, os talmidim já estavam com todos os livros históricos, poéticos, de sabedoria, e os proféticos, decorados. Já com a idade de 14 anos, participavam dos debates sobre a tradição oral, que diz respeito a interpretação dos rabinos à Lei, dedicando a sua vida toda, em como colocar na prática a Lei de Moisés. É justamente neste ponto, onde o evangelho de Lucas destaca o texto que se refere a Jesus, quando Ele debatia a Lei perante o Sinédrio tendo apenas 12 anos de idade, ou seja, mostrava a inteligência e maturidade de forma prematura no aprendizado e na interpretação da Lei, uma vez que ouvia e interrogava os doutores da Lei, antes dos 14 anos de idade, conforme o texto:
42 E, tendo ele já doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume do dia da festa. 43 E, regressando eles, terminados aqueles dias, ficou o menino Jesus em Jerusalém, e não o soube José, nem sua mãe. 44 Pensando, porém, eles que viria de companhia pelo caminho, andaram caminho de um dia, e procuravam-no entre os parentes e conhecidos; 45 E, como o não encontrassem, voltaram a Jerusalém em busca dele. 46 E aconteceu que, passados três dias, o acharam no templo, assentado no meio dos doutores, ouvindo-os, e interrogando-os. 47 E todos os que o ouviam admiravam a sua inteligência e respostas. (Lc 2.42-47).
Os rabinos ou doutores da Lei como está escrito divergiam na compreensão da Lei, pois cada um destes possuía um conjunto próprio de regras e interpretação da Torá que se chamava "o jugo do rabino". Os mais conhecidos e famosos rabinos contemporâneos de Jesus foram: Hilel e Shamai, estes dois tinham o seu próprio conjunto de regras e interpretação da Lei e seus Talmidim. Neste sentido, passamos a entender o texto de Mateus que tem por epígrafe "o jugo de Jesus", veja o texto:
29 Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. (Mateus 11 vs 29).
A expressão discípulo, é usada ao longo de toda história do cristianismo, mas não é de exclusividade tão somente das Escrituras bíblicas. Na sua origem do latim discípulus, ou seja o aprendiz ou aluno, também era usado comumente no universo das escolas filosóficas, referindo-se ao aluno de um filósofo. Os autores do NT registram este termo dirigindo-o a todos que encontraram o Mestre e passaram a segui-lo, designando-os como alunos de Cristo. Há claramente nos textos do NT a existência de diferente comprometimento, interesses, lealdade e deliberações entre os discípulos. Por este motivo vemos o termo discípulo aplicado de um lado abrangente e por outro lado mais restrito nos evangelhos, elevando o conceito de discípulo conforme o evagenlho de Lucas. (Lc 6.12-18).
Percebemos que no livro de Atos a palavra passa a ser citada com sentido cabal, sendo aplicada aqueles que tinham exposto plena fé e compromentimento com Jesus Cristo. Vemos o exemplo disto já no início do livro de Atos Cap 1 vs 15 a 26 o relato da escolha de Matias em lugar de Judas, que Pedro pôs-se no meio dos discípulos com a finalidade de destacá-lo a Apóstolo.
Fim da discussão
Os doze homens escolhidos por Jesus dentre os demais, foram treinados para participar e dar continuidade a seu ministério, testificando dEle após a sua ressureição. Os Apostoloi em grego, "mensageiros", ou SᵉlÎhîm, "agentes", correspondente em hebraico, foram convocados e lhes foi conferido a autoridade, a qual jamais poderiam ter, procedente da vontade Daquele que os remeteu com o objetivo de realizar a tarefa . E esta tarefa não poderiam delegar a ninguém mais. Para ser um apostolo e assumir esta função , era preciso ser testemunha de Cristo, ter estado com Jesus por um longo período de tempo – Paulo passou 14 anos refugiado na Arábia e neste período podemos supostamente entender que estava aprendendo tudo a respeito do evangelho, diretamente do Senhor Jesus e por este motivo reinvidicava piamente o apostolado – ter sido testemunha de seus ensinamentos e testemunha de sua ressureição.
De modo prático, deveria ter convivido, falado, tocado, sentado à mesa, ouvido, visto e interagido com Jesus Cristo e vê-lo crucificado, morto e principalmente ressuscitado. Veja o que está escrito no livros de Atos Cap. 1. Vs 21 e 22:
21 É necessário, pois, que, dos homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, 22 Começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição.
Ninguém nos dias atuais pode se considerar um apóstolo de Jesus Cristo, pois apóstolos foram somente os doze escolhidos dentre os discípulos, e era necessário atender todos os pré-requisitos para tal função, e estes requisitos já não podem ser mais atendidos por nós, pois Cristo já ressucitou, não há como estarmos com Jesus e presenciar fisicamente o que um apóstolo presenciou, não estávamos no batismo de João Batista e não fomos testesmunhas oculares da ressureicação de Cristo. E a bíblia nos ensina mais uma vez de forma clara, no Livro de Apocalipse 21:14, onde está escrito o nome dos doze:
14 E o muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.
Quem hoje em dia tem o nome escrito nos fundamentos do muro da Nova Jerusalém? Obviamente que ninguém além dos doze apóstolos. Portanto não somos apóstolos de Jesus e sim discípulos Dele, com dons espirituais e dons ministeriais diferenciados para a edificação da igreja. Depois da eleição dos doze jamais houve ou haverá Apóstolos.
Na antiguidade e agora em nossa era atual o discípulo é alguém que ouve e aceita o evangelho, converte-se em um aprendiz, um aluno, um novo seguidor de Jesus, um cristão:
26 E sucedeu que todo um ano se reuniram naquela igreja, e ensinaram muita gente; e em Antioquia foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos. Atos 11.26
Este processo envolve o arrependimento que não consiste apenas em lágrimas, mas sim de não voltar a agir como quando antes. Envolve fé para a condição de salvação e por sua vez, dedica sua vida e a sacrifica na condição de aproximação com Cristo, aperfeiçoando-se dia a dia no caráter cristão, disposição ao serviço e a disseminação do evangelho salvífico aos demais, tendo a consciência de que haverá sofrimento e sacrifícios por amor a Jesus Cristo, ao conduzir estes ao caminho da fé, batizando-os e ensinando-os nas palavras de Jesus. Veja o texto de Lucas:
26 Se alguém vier a mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo. 27 E qualquer que não levar a sua cruz, e não vier após mim, não pode ser meu discípulo. 33 Assim, pois, qualquer de vós, que não renuncia a tudo quanto tem, não pode ser meu discípulo. (Lc 14. 26,27,33).
Mateus nos trás a ordem imperativa de Jesus e mostra claramente a responsabilidade do discípulo, levar a palavra de Jesus a todos sem exceção para que por meio dela alguns se identifiquem com Cristo e ensinados pela congregação de fé, sejam batizados e assim façam mais discípulos tendo vida plena e eterna no Salvador.
19 Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; 20 Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém. (Mt 28. 19,20).
Referências bibliográficas BUCKLAND, Rev. A. R. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Ed. Vida, 1981, 453 p. ALMEIDA, João Ferreira de. Revista e Corrigida. Edição de 1995. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995. 1408 p. KIVITZ. Ed René. Talmidim, o passo a passo de Jesus. São Paulo: Mundo Cristão, 2012, 375 p. MCBIRNIE, William Steuart. En Busca de los Doce Apósteles. Carol Stream, Illimois: Tyndale House Publishers INC. 271 p
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