Não mais escravos!
- Emerson Melo
- 17 de mai.
- 2 min de leitura
Na carta aos Gálatas ao escrevê-la, o apóstolo Paulo declara com convicção: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Permaneçam firmes, portanto, e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão. Eu, Paulo, afirmo que, se vocês se deixarem circuncidar, Cristo de nada lhes servirá” (Gl 5:1-2). Isso nos leva a uma pergunta importante: se a circuncisão era o sinal da aliança entre Deus e o povo de Israel, por que então Paulo alerta os gálatas de que ela os levaria de volta à escravidão?

A resposta começa no livro de Gênesis, que Paulo usa como base antes de desencorajar seus leitores a seguirem esse caminho. A expressão “jugo de escravidão” em Gálatas 5:1 (do grego zugō douleīas; ζυγῷ δουλείας) está conectada à alegoria que ele faz sobre Agar e Sara (Gl 4:21-31), uma reflexão inspirada nas histórias de Gênesis 16 e 21. Entre essas narrativas de Gênesis, encontramos a aliança que Deus faz com Abraão, conhecida como brit milah (ברית מילה ) — a aliança da circuncisão. O Senhor disse a Abraão: “Esta é a minha aliança que vocês devem guardar, entre mim, você e seus descendentes: todo homem entre vocês será circuncidado” (Gn 17:10). Para todos os descendentes de Abraão, ou seja, o povo de Israel, a circuncisão era o sinal visível do compromisso eterno com Deus (Gn 17:11).
Contudo, o texto de Gênesis também inclui outro grupo que deveria ser circuncidado além dos descendentes de sangue de Abraão: os escravos estrangeiros. Deus instrui: “Aos oito dias de vida, todo homem entre vocês deverá ser circuncidado (ימול; yimol), seja nascido em casa ou comprado por dinheiro (ומקנת־כסף; u'miqnat-keseph) de qualquer estrangeiro (בן־נכר; ben-nekhar) que não pertença à sua linhagem” (Gn 17:12). Assim, segundo o próprio relato bíblico, os que deviam ser circuncidados incluíam os israelitas e também os servos gentios. Desse modo, para Paulo, quando os gálatas — gentios por origem — aceitavam a circuncisão, estavam, na prática, assumindo novamente a condição de escravos, e não vivendo a liberdasde de fato, como os “filhos livres de Abraão” que outrora haviam se tornado por meio da fé em Cristo (Gl 3:29).
Alguns intérpretes da carta aos Gálatas concluem que Paulo via toda a Lei como
um fardo de escravidão para os gentios, sugerindo que qualquer observância da Torá impediria sua liberdade em Cristo. Entretanto, isso não corresponde ao pensamento do apóstolo. Ele mesmo orienta: “Não usem a liberdade como desculpa para satisfazer a carne, mas sirvam uns aos outros com amor. Pois toda a Lei se resume numa só palavra: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’” (Gl 5:13-14). Nesse ponto, Paulo encoraja os gálatas a exercerem sua liberdade (ἐλευθερία; eleutheria) ao colocarem em prática o mandamento de Levítico 19:18. Portanto, sua oposição não era contra a prática da Torá em si, mas contra a circuncisão gentílica, que, em seu entendimento, reforçava a lembrança da antiga condição de servidão. Em contraste, obedecer ao mandamento da Lei do amor ao próximo, demonstrava que os gentios, agora em Cristo, viviam como pessoas verdadeiramente livres.



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