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Salmo 23 – Uma análise sociocultural

Atualizado: 12 de fev.


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O salmo 23 foi escrito por Davi, com base em seu conhecimento como pastor e rei, possivelmente, em um dos quatro momentos pontuais de sua vida:


Durante o período em que era pastor de ovelhas, enquanto era perseguido por Saul, enquanto era perseguido por Absalão ou nos últimos anos de sua vida, como uma retrospectiva.


As interpretações do salmo 23, normalmente, abordam temas como proteção, refúgio, descanso e ainda ânimo para os cansados e sobrecarregados, mas há um aspecto no salmo 23 que é investigado, porém pouco discutido: O papel de vários locais em que o cuidado especial e a atenção são fornecidos, bem como as mudanças espaciais entre o pastor e o salmista.


O foco narrativo está na ovelha e os terrenos descritos lembram, ainda que com a ajuda de ressonâncias intertextuais, com precisão o solo onde as ovelhas são pastoreadas no Oriente Médio:

Lugar de cuidado Significado Intertextualidade

Verdes pastos Provisão e revitalização Gen. 9:3 e Lev. 2:14

Águas tranquilas Estabilidade dinâmica Salmos: 95:11; 132:8, 14

Caminhos confusos Incerteza e confusão Joel 3:14

Vale da sombra da morte Medo, insegurança e conforto. 2 Sam. 5:18-25

Área de banquete Celebração e segurança Salmo 146:9 e Pr. 09:1-6

Casa de Deus Adoração 2 Sam. 12:20; salmo 92:13


Esses seis diferentes lugares salientados no salmo são de suma importância para entender aspectos socioculturais de Israel antigo e a maneira como esses versos atingem seus leitores.

A ideia de verdes pastos, raro sob o sol oriental, para a maioria dos primeiros leitores e ouvintes de Davi teria transmitido noções de novidade, produtividade, revitalização e regeneração, uma vez que essas referências no Antigo Testamento estão associadas à produção e frescor. O efeito provável de ler ou ouvir sobre pastos verdes no meio sociocultural de David é, portanto, não apenas a constatação de provisão abundante em meio à falta, mas a experiência de revitalização e regeneração que vem com ele.

No verso 02 observamos o movimento junto às águas, e não apenas o consumo de água, embora, esteja claro, o paralelismo entre os versos 2a e 2b, onde verdes pastos e águas tranquilas simbolizem alimento. Esta não é uma poça estagnada, mas um lugar onde a água doce flui suavemente. A palavra “água” em sumério, acádio e ainda no Antigo Testamento está associada a inundações e atos destrutivos, aqui a água é projetada para a estabilidade e tranquilidade ainda que dinâmicas.

A mudança drástica de cenário implica diretamente no humor do leitor que, independente de se tratar de lugares perigosos para a ovelha ou ser humano, representa a tristeza, difíceis decisões e a morte. A associação entre caminhos de dúvida e escuridão favorecem a imagem de um peregrino, ainda assim, qualquer leitor no meio sociocultural da época teria notado a presente proteção de Deus no pior dos lugares ou circunstâncias e que fala igualmente a seus próprios períodos de incertezas, medo e sensação de melancolia transmitida pela espacialidade do texto.

O espaço do Salmo se move da parte externa para um ambiente confortável e uma atmosfera de um banquete no versículo 5 . Aqui, qualquer tentativa de interpretar o salmo em termos da vida de uma ovelha no Oriente Médio vacila, pois, a descrição é de um ser humano festejando e sendo servido por Deus, enquanto seus inimigos o olham espantados com tal generosidade.

O versículo parece voltar para a alimentação de luxo em verdes pastos do verso 2. No entanto, há uma diferença no verso 5 . Aqui ocorre um ambiente de festa, com mesas e copos de vinho. O escárnio no tom do salmista, quando fala dos inimigos observando invejosos e impotentes, acrescenta mais alegria à imagem. A mudança de ambiente traz outra mudança dramática no estado de espírito do leitor, do sentimento de medo e confusão a uma combinação de segurança e alegre celebração.

No versículo 06, a tradução mais adequada para a palavra “radaf” é “perseguir” que é usada em outras passagens do Antigo Testamento para a busca de inimigos ( Gn 35:5 ; Dt 19:06 ) . Assim, os atributos “bondade e misericórdia”, são aqui retratados como perseguidores do salmista. Possivelmente a expressão foi utilizada como um contraponto para todas as vezes que Davi foi perseguido.

Muitos comentaristas tratam a ovelha do salmo como a ovelha que se perde e é encontrada por seu pastor, mas dentro do contexto sociocultural da época o foco narrativo na ovelha traz a importância que Deus dá ao indivíduo, que os cuidados de Deus não se referem apenas ao povo, mas a cada um. Em um mundo em que os deuses são maus, e o ser humano é desvalorizado, o salmista reaviva a memória nos leitores de que o Deus de Israel, que criou os céus e a terra é também o Deus dos indivíduos.


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